A RUIVA
Era mais uma noite como as outras voltando do trabalho. O Metrô
já não tão cheio, o rush já tinha passado. Quando adentrei o vagão, me ajeitei
onde pudesse não atrapalhar o movimento interno e ler meu livro tranquilamente.
Passadas quatro estações das oito que eu tinha a percorrer,
alguns passageiros já haviam descido fui então arrumar um lugar mais cômodo. Quando
duas garotas passaram rapidamente por mim para descer na estação seguinte, me
virei para a direita, e lá estava ela. Uma imagem feminina tão bem delineada
que para os mais antigos teria saído de uma prancheta de Milo Manara, ou para
os que em menos de 30, de uma tela de um software gráfico sofisticado qualquer. Ela realmente me lembrava uma personagem de
desenho animado que não conseguia me lembrar, e quase duas horas depois me veio à
mente... Era a forma humanizada de Jéssica Rabbit, sem os exageros do desenho
animado das telas, mas com certeza tinha belas e harmoniosas curvas.
Sentada, compenetrada ligeiramente cabisbaixa seguia o
trajeto lendo seu livro, sem sequer notar o movimento à sua volta. Ruiva! Sem
dúvida uma mulher rara, afinal as ruivas verdadeiras são apenas 2% da população
mundial. Um coque simples e elegante, alguns fios soltos que davam o ar sensual
ao rosto delicado, uma mecha ligeiramente descolorida, mas ainda ruiva, dava um
ar maduro ao rosto que revelava não mais que 36 ou 37 anos, os lábios carnudos
tal qual os de Jessica, com batom vermelho que os faziam mais evidentes ainda.
Que conjunto!
Uma blusa vermelha com decote em V que não estava colada ao
corpo, mas era justa o necessário pra deixar bem marcadas as formas dos seios
volumosos, apenas um toque de ousadia. Por cima, o sobretudo grafite de gola
alta, que lembrava uma capa de chuva de filme dos anos 40, elegantemente
suavizava os quadris largos. As meias pretas, finas o suficiente para revelar a
pele clara e grossa o suficiente para não parecer vulgar, eram arrematadas
pelas botas pretas de couro opacas de salto fino.
O golpe de misericórdia veio quando ao notar estar sendo
observada levantou o rosto me paralisando com aqueles olhos verdes que quase
saltavam das orbitas ao mesmo tempo em que mostravam certo encabulamento;
baixou o olhar, pareceu apenas ler até concluir a página, em seguida se
levantou me fulminando olhos nos olhos.
Como quase nada é perfeito, ao passar por mim, solenemente
pisou, na verdade quase tropeçando em meu pé, sem se dignar a pedir desculpas.
Ou queria realmente marcar sua presença chamando minha atenção ou era mal
educada mesmo. Muitos machos de plantão ao ler acharão preciosismo ou frescura
minha, mas apesar de adorar ousadias femininas, transgressão de convenções
sociais, autenticidade, senso prático, objetividade e outros que tais, dou
valor a essas pequenas lições de mãe, “desculpe, por favor, com licença”.
A ruiva se foi
deixando apenas a lembrança da bela imagem que faz a alegria do imaginário
masculino! Desceu uma estação antes da minha, melhor assim! Quem sabe tenha
evitado incluir mais uma na estatística das mulheres exuberantes e fúteis...?!
Ruivas, loiras, morenas ou negras, não importa. Que sejam interessantes,
inteligentes, bem humoradas, sarcásticas, debochadas... e femininas!